Por Leonardo Carvalho

Nos últimos meses, notícias sobre a implantação da GDPR ganharam destaque nos debates sobre segurança da informação. Graças ao seu impacto nos negócios de organizações que iam muito além dos departamentos de TI ou das fronteiras europeias, a normativa foi pauta também de veículos que não costumam cobrir o tema da cibersegurança.

No entanto, esta não é a única legislação que propõe regular as relações sociais e econômicas entre empresas e cidadãos mediadas na Internet. Pelo menos duas outras leis em discussão nos EUA e na Europa o fazem em um nível tal que pode significar mudanças em características fundamentais da rede, para além de impactos econômicos.

E nenhuma delas está recebendo a mesma atenção do mercado que a GDPR.

Na Europa, estão em discussão alterações na regulação de direitos autorais que trarão impactos nos negócios de empresas que lidam com conteúdo.

Nesta semana entra em votação no parlamento europeu uma nova proposta de lei de direitos autorais válida para os países-membros da União Europeia. Um dos artigos desta proposta (Artigo 13) prevê que plataformas de distribuição de conteúdo implantem ferramentas automatizadas para filtrar todo texto, vídeo, áudio e imagem postado por usuários de modo a censurar qualquer conteúdo que infrinja direitos autorais.

O artigo motivou um grupo de 70 estudiosos e especialistas — entre os quais os pioneiros da Internet e da World Wide Web Tim Berners-Lee e Vint Cerf, o co-fundador da Mozilla Mitchell Baker e o especialista em criptografia e escritor Bruce Schneier — a escreverem um documento conjunto alertando para os riscos de sua implantação. Os signatários argumentam que:

“requerer que plataformas realizem a filtragem automática de todo o conteúdo produzido pelos seus usuários é um passo sem-precedentes em direção à transformação da Internet de uma plataforma aberta de compartilhamento e inovação para uma ferramenta automatizada de vigilância e controle dos seus usuários”.

Além da questão ética, os críticos também apontam questões técnicas que inviabilizam a correta aplicação desse tipo de filtragem. Mesmo se a ferramenta fosse usada apenas para o seu propósito de filtragem de conteúdo considerado abusivo ou ilegal, seria simplesmente impossível, afirma o documento, “que um sistema automatizado pudesse determinar de forma confiável quando o uso de um trabalho protegido por direito autoral é uma violação ou uma exceção sob as leis da Europa, como citações ou paródias”.

Em tese, o simples compartilhamento de um gif animado ou um meme envolvendo uma cena de um dos filmes da saga Star Wars poderia configurar uma infração, “mesmo que o dono dos direitos autorais não se incomode com isso”, apontam os autores do documento. Mais ainda, não há sequer um consenso na Europa sobre que exceções são aceitáveis ou não.

E se a questão da liberdade de expressão não for suficiente, a proposta prevê ainda uma “taxa de link” (link tax) através da qual websites teriam que pagar a produtoras e editoras de conteúdo pelo “privilégio de usar trechos de texto ao direcionar para artigos e notícias” destas produtoras e editoras. Segundo este raciocínio, sites que façam menção a um conteúdo de terceiros — exatamente como estamos fazendo neste artigo -, poderiam ser cobrados pelo uso de trechos de texto de suas fontes, mesmo que as fontes abram mão deste direito, publicando seu material sob licenças do tipo Creative Commons (exatamente como fazemos aqui no SideChannel).

Enquanto estes temas são debatidos na Europa, nos EUA, desde o dia 11 de Junho, está em vigor o “Restoring Internet Freedom Order”. Trata-se de um conjunto de normas definidas pelo Federal Communications Commission (FCC) para “proteger a Internet aberta”. Entre as regras, está o fim do caráter de neutralidade da Internet no país.

Alvo de grandes debates no Brasil durante as sessões de discussão e votação do Marco Civil da Internet, essa característica impede que provedores de acesso discriminem o conteúdo acessado por seus assinantes, cobrando, por exemplo, tarifas maiores para acessar determinados sites ou criando “pacotes” de acesso para diferentes tipos de conteúdo.

Em 2015 — também por decisão do FCC — provedores de acesso à Internet (ISPs) nos EUA foram classificados da mesma forma que operadoras de celulares.

Segundo Jessica Rosenworcel, comissária do FCC que votou contra a decisão de 2015, isso dá às ISPs o direito de “bloquear websites, favorecer determinados serviços e censurar conteúdo online. Eles terão o direito de discriminar e favorecer o tráfego para companhias com as quais eles possuem acordos específicos e o direito de reduzir a velocidade de acesso a outros serviços”.

Assim como no caso europeu, para além das questões éticas envolvidas, é possível prever consequências para empresas e a forma como elas conduzem negócios online. Não é difícil imaginar um cenário em que companhias com menor poder de barganha se sintam pressionadas a realizar acordos com ISPs sob pena de ver o acesso aos seus sites minguar, juntamente com suas vendas ou serviços online.

Se é verdade que a necessidade de proteger dados pessoais alcançou nova (e merecida) importância nos últimos anos, também é digno de nota o fato de que essas medidas criaram oportunidades de negócios para diversas entidades ligadas ao tema. Ou seja, muitas empresas entenderam que seus interesses poderiam ser atendidos em um debate sobre a proteção dos dados dos cidadãos.

O mesmo não está sendo visto quando nos referimos à proteção de direitos autorais e do uso livre da Internet. Como especialistas indicam, o interesse em proteger grandes conglomerados econômicos pode estar cada vez mais prejudicando a liberdade dos cidadãos.